A contÃnua perplexidade
É preciso procurar outros roteiros para a diária labuta. Sair das praças, andar por outras vias, observar certos espaços, espantar-me ou alegrar o meu coração...
Passeei por outros sonhos que alimentam a sobrevivência de meu ser.
Entrei em salas, revi pessoas, recordei ensinamentos que me fizeram feliz. Parei em outras e constatei a ingratidão efervescente que sofre de amnésia e joga ao esquecimento as ações humanitárias que tanto benefícios fizeram para inúmeros.
Às vezes é preciso esquecer, acalentar o que não precisa ser relembrado para evitar mais mal querer.
Quantas ações torpes naqueles corredores! Quantas indignidades, como fantasmas, assombrando minhas lembranças!
É preciso procurar outros roteiros para a diária labuta.
Estou diante de uma construção. Uma construção que foi erguida para beneficiar, atender sem distinção , amenizar dores.
Mas fico impedida de iniciar a limpeza dela porque não cabe a uma só pessoa varrer, aspirar e colocar entre os monturos e depois incinerar tantas falcatruas, tantas desonestidades humanas, tanto desrespeito.
Vejo pessoas com boa índole, outras com suas bexigas morais afetando sua matérias destruindo seus rostos, homens e mulheres, aflitos, ansiando por olhares, mãos abertas, palavras amigas e bálsamos para suas dores e feridas físicas e, também, anímicas.
Passo entre bancos sujos que constatam o esquecimento da solidariedade e, seguindo a própria história, continuam entortando o serviço que deveria ser publicamente bem feito.
Olho homens e mulheres que nem mais podem chorar. Suas crianças sentem fome e anseiam calmaria em seus corpos. São pessoas que aguardam desde o amanhecer passando por palavras ríspidas, grosserias e falta de educação até ao derradeiro estágio. Uns resistem. Outros calam e adormecem para sempre porque cansaram de esperar. Muitos acomodam porque nunca souberam o que são quimeras realizáveis.
Questiono a minha perplexidade e comigo mesma dialogo.
Não sou faxineira? Não tenho a função de limpar? Por que não aspiro as adversidades que estou comprovando mais uma vez? Por que relembro de um Menino Grande que gritou a sua indignação e, ultrajado, foi penalizado e também cansou de esperar?
Comigo mesma chega a resposta. De que forma limpar tanta sujeira humana?
Aqui chamo-me impotência porque sinto-me fraca diante de tanta crueldade. Porque encaro uma mulher que passeia pelos corredores com a máscara da impunidade, sorrindo pela proteção de duas malditas letras e que, num sacrilégio, como num desfile desproposital de moda, faz de conta que é o que não é ,carregando nas mãos escritos de doces palavras e sábios ensinamentos de um Rei que deixou a maior prova de amor para a humanidade. Ela se agarra, além da maldição de uma sigla que extermina, que destrói e coloca as pessoas de bem ultrajadas , na realidade em que nacionalmente vivemos.
Como incinerar papéis que foram rasgados, totalmente destruídos quando deveriam estar em conclusão de autoridade mas são frutos total existência do desmando e comprovam corrupção e apadrinhamento imoral de e com pessoas indecentes? Se a mentira e a torpidez gargalham com força as realização de seus adeptos?
Sou Faxineira! Em momentos preciso sonhar, transformar-me em uma utópica mágica que transforma a vassoura no seu amado corcel para voar, voar e respirar ar que relembre dignidade!
Permito aos meus sonhos a mudança de espaço para não precisar vomitar os gritos de tantos que continuarão amordaçados porque a impunidade dá as mãos à imoralidade humana.
Diante desta construção um novo príncipe, sobrevivente de um ditatorial quinhão explode sua bravura e sua silenciosa figura para muitos e fecha os olhos para uma minoria esquecendo-se que ali a coerência foge e nem olha para trás, negando-se ao direito do salgado destino da mulher do bíblico Lot...
Quem quer olhar e ou voltar para aquela construção quando possui dignidade e abomina açnoes incorretas?
Preciso sair daqui. Andar e parar no lado oposto. Um outro espaço que , mesmo tendo as lembranças de bondosas pessoas, agora está sob nuvens traiçoeiras.
Consciências mortas que tombaram morro abaixo exaltam a história do lobo sob a máscara de cordeiro, mansidão no falar e acões subreptícias no comportamento.
Sou Faxineira, mas como posso varrer ali, se o que deveria permanecer foi levado pelas águas da chuva?Se o que ficou petrificou , é feio e faz mal?
Catei as tantas folhas caídas que dançaram sob o soprar dos ventos. Fechei os portões numa tentativa infantil de impedir que o mal entre mais e mais . Não posso limpar as paredes que, num quadrado, formam atitudes traiçoeiras e desumanas.
Preciso sair , respirar ares renovados, entrar em lugares que abrem portas e janelas para enluarados sonhos, que negam morada para “podres poderes”,provisórios poderes paridos na indignidade.
Preciso ,antes, alimentar o meu coração. Já é final de tarde, noite a iniciar. Preciso recuperar a minha essência macerada pelos dois lugares que tentei limpar...
Não sou Faxineira , Varredora de Sonhos? Não posso, de repente improvisar ( com a vassoura) um indômito corcel de crina desgrenhada, ancas reluzentes, incontroláveis cascos e asas transparentes só visíveis ao sol?
Então...
Eu vôo sobre o abismo...e vôo... e vôo.
Lá muito embaixo vejo o mundo inteiro a rolar rolar.
Sobrevôo as águas, pairo sobre as ondas, e, na escuridão imensa, pervagando a noite, identifico os negros llugares,perscruto os longes e descubro os astros! E sinto as saudades. Das pessoas queridas.Dos homens e mulheres dignos que deixaram exemplos de bem querer e respeito humano. Saudades dos sonhos que acreditei. Piedade das pessoas que acreditaram em outras.
Sou Faxineira e sob o meu corcel posso colher punhados de estrelas para semear as constelações sob lugares que a névoa tomou conta.
Sou Faxineira! Limpo sonhos e aspiro recordações...Varro todos os sentimentos, transformando-os em sublimes companheiros que dão sentido ao fragmentado coração. Não posso permitir que ações desastrosas e gritos com dupla polaridade possam desarrumar a minha alma.
Preciso lembrar-me disso. Sou Faxineira de Ilusões... !
A autora Ana Virgínia Santiago é jornalista, poeta, escritora e cronista no sul da Bahia.